segunda-feira, 18 de julho de 2011

Um ser fútil

Existe uma coisa que me incomoda, me põe os miolos a ferver e o sangue a girar. Essa coisa é a futilidade. O fútil.
Não, não são as pessoas fúteis, nem os assuntos fúteis que me metem repulsa, ou nojo, ou raiva. O que me chateia é definição da palavra fútil e o conceito de “pessoa fútil”.
Vejamos, segundo o Dicionário Universal da Texto Editora de 2002, fútil é um adjectivo que deriva do latim “futile” e significa frívolo, vão ou leviano. Até aqui nada de mais.
Ora, indo ver ao Dicionário de Portugues-Latim da Porto editora de 2001, já se consegue acrescentar mais alguma coisa: “Futile (futilis) adv. Inutilmente, em vão”; “Futilis, e (fundo) adj. 1. que deixa escapar o que contém, que não retém, que não guarda; 2. frágil; 3. vão, frívolo, fútil, sem autoridade”.
Mas, por mais que eu procure no dicionário, não encontrarei lá o conceito de “pessoa fútil”. Sendo assim, juntando os significados anteriores e reflectindo nos contextos em que a expressão é utilizada, diria que “pessoa fútil” é: sujeito que se ocupa com inutilidades e as sobrevaloriza; que não analisa a profundidade dos assuntos que o rodeiam limitando-se ao superficial; por isso, é frequente cometer erros de análise precipitados.
Penso que esta é uma definição aceitável. Uma definição que consigo aplicar a algumas pessoas. Infelizmente e habitualmente, quando aplicada esta expressão em contexto usual, esta vem carregada com uma conotação negativa, estereotipada e preconceituosa. Ou seja, quando determinado assunto, ou modo de viver, é para nós fútil ou inútil, rotulamos determinado sujeito de fútil. Quase como se ele fosse burro, como se a sua alma fosse oca.
E é isto que me incomoda. Esta definição corriqueira de “fútil”, a capacidade indiscriminada de considerar alguém fútil. E eu questiono-me, existirá mesmo alguém fútil?
O que é inútil para mim é de extrema importância para outro, e vice-versa. O bom, mau, bonito, feio, útil ou inútil são conceitos subjectivos, dependem individualmente de sujeito para sujeito. São quase como conceitos “indiscutíveis”.
Sendo assim, continuo a perguntar, haverá mesmo alguém fútil, oco, sem profundidade de mente e alma? Quem é que gosta de ser chamado de fútil? Alguém se quer considerar assim?
Acho que um ser humano é complexo de mais para poder ser considerado de fútil. Talvez classifiquemos alguém assim, devido à nossa incapacidade de entender e compreender verdadeiramente o outro. Temos que ver que “cada cabeça um mundo”, ou “uma cabeça milhares de mundos”.
Por isso, é preciso ter cuidado quando classificamos alguém de fútil. Esta pode ter como base uma análise precipitada e superficial do sujeito que está à nossa frente. E isso sim, isso seria verdadeiramente uma análise fútil.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

AnaLógica


fotografia cedida por Ana Lógica
 edição de Ana Lógica

É estranho o mundo que me surge em frente. Mas, mais estranha é a lógica por detrás da lente. Uma verdade abstracta envolve os dois. Concentro-me, lá, ali, bem no fundo de mim mesma, e imprimo a realidade que me cerca. Acaricio-a gentilmente.

Tacteio a sua superfície, absorvo lentamente a sua irregular regularidade, inalo a subtilidade do seu odor e provo o seu agridoce paladar. Foco-a atentamente, aspiro a sua alma.
E é nesse lugar desconhecido, distante e incompreensível. É nesse oculto laboratório vermelho de mim mesma, que, movimento a movimento o tempo se vai desvanecendo. Fundo-me com a essência que absorvi e fluo num fluxo fluido de conexões. Transformo-a, transfiguro-a, junto-lhe um pouco de mim e ela dá-me um pouco de si. Somos as duas mais um pouco, sem nunca deixarmos de nos ser.
Agora, a Analógica máquina projecta-a, projectando-me, progressivamente e instantaneamente num flash.
texpo de Mário Silva