segunda-feira, 7 de maio de 2012




Para quem ainda não sabe,

É com muito prazer que anuncio o meu primeiro livro “Colecção Obsessiva de Sentimentos”, publicado através da Corpos Editora, ilustração Ana Lógica.
Trata-se de um conjunto de poemas, crónicas e contos existencialistas. O seu lançamento terá lugar na Casa do Alto, dia 19 de Maio, pelas 19 horas.
Terei todo o gosto em vos receber.
Confirmem através do meu email ou do link https://www.facebook.com/events/377235515661201/.

Cumprimentos,
Mário Viterbo e Silva


terça-feira, 1 de maio de 2012

Complexo


A saliva escorre pelo queixo.
A fome bate nas paredes estomacais.
Dentes amarelos, castanhos, verdes, bafo a vermes.
Guincha naquele quarto, naquele cubículo, meio metro quadrado.
Preso, encurralado.
Quer matar, quer comer, quer foder.
Quer, só por querer…
Sentir a vida do outro a escoar, o orgulho a se esvair, o medo, a morte a subir.
Grunhido após grunhido esporra,
Enche de seiva a masmorra.
Bate, cabeceia, esmurra, planeia.
Naquele espaço, sonha, baixo, o dia da ceifa.

O mundo movesse, gira constantemente, agitadamente, ignorantemente.
Esquecendo-se, mentindo-se,
Nada aberra, no oculto da serra.

Os locais sabem, tremem, rezam, esperam, calam, desesperam.
Protegem-se com o sangue do cordeiro.
Mas, nada pára os guinchos do bezerro negro, nascido da imaculada virgem violada.
Sacodem as árvores, penetram nas casas, enlouquecem a alma.

fujam
fujam
os muros estão a ficar gastos.

ou matem
matem
aclamem-lhe a cólera tingida.

Seus braços, retorcidos, esgadelham as costas com arranhares repetitivos.
Crava as unhas na pele grossa, chagas putrefactas, espasmos estereotipados,
                                                                                             Olhos revirados.
Quer…
Dêem-lhe…
É imortal.
Voltaria,
outra vez,
novamente,

mais e

mais e

fome.

Por isso, matem por ele, dilacerem por ele, cortem-se por ele.
Alimentem os Eus, o Complexo Monstro premente,
Que geme na serra da nossa mente.

Despertar para dentro de mim


…preto…
…branco…
…preto...
…como será despertar de um sonho? Disso eu lembro-me. Mas…
…branco…
…preto…
…cinzento…
…como será despertar do real?
Talvez… talvez seja como acordar com ressaca.
A típica dor de cabeça, a boca seca a saber a sarro, a aguçada alfinetada da sensibilidade à luz.
Mas isso… Bem, isso é um acordar para a realidade depois de um sonho mal construído.
Agora, um acordar da realidade é algo… Pelo menos o acordar da minha realidade. É assim… como a ressaca, mas a dor… essa não é na cabeça, a secura a saber a sarro não se limita à boca. A luz, não se espeta como agulhas pelos olhos, perfura-me o ser num local fora de mim. E, o som… o som é… É como o chiar de centenas de melros, penetrando lentamente, no nosso torpor sossegado.
E foi assim. Foi assim que me vi. Foi assim que me senti, lentamente, a despertar para dentro de mim.
A primeira coisa foi o piar imperceptível dos melros. O resto, veio por acréscimo.
Senti-me pesado, bêbado, charrado, numa bad trip.
Mas… não era eu.
Aliás, não era só eu. Todo o espaço confluía de mim para mim, num pesado, vertiginoso, sufocante movimento. O frio do chão começou-me a incomodar. O cheiro… Cheiro arranhado de caca de pássaro.
Abri os olhos. Levantei-me tropegamente.
Pensei… Vi… Imaginei…
Cinzento…
Cercava-me um género de pombal. Caca de pássaro estendia-se por todo o lado. Manchava tudo de branco e de preto, resultando numa mescla sépia, peganhenta, fedorenta.
Os vidros erguiam-se, desde a base até ao telhado, manchados num tumulto de cagadelas que me impediam de ver lá para fora.
O tecto, de acrílico, misturava-se na cor suja do céu, aprofundava-o. Um céu preto, branco, cinzento, sulcado e desenhado por centenas de melros, pousados, pendurados nas traves horizontais do pombal. Chiavam ininterruptamente, martelando irritantemente, penetrantemente. Cada vez mais alto num agudo crescente.
Franzi a testa. Levei as mãos às têmporas.
Lentamente percebi a irrealidade estranha que me cercava.
Sustive a respiração.
Olhos, milhares de olhos. Pontos negros, fixos, cegos.
Miravam-me. Escrutinavam-me.
Apesar de todos estes olhos piarem num estrondoso grito, nenhum bico se movia, nenhum pássaro reagia. E eu… Agonia.
Foda-se!...
Pensei...