segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Mas que grande confusão...




Hoje falar-vos-ei sobre um assunto que a meu ver, está cimentado e com uma gestão bastante profissional e minuciosa, o ordenamento do território! E perguntam vocês, o que raio é essa bosta?

O ordenamento do território é, fundamentalmente, a gestão da interacção homem/espaço natural. Consiste no planeamento das ocupações, no potenciar do aproveitamento das infra-estruturas existentes e no assegurar da preservação de recursos limitados.

Os diferentes planos, para serem eficazes, têm que ser enquadráveis a diversas escalas de análise, dependendo a efectividade de todos eles da coerência dos restantes. Um plano nacional de ordenamento do território tem que se basear na lógica dos planos das diferentes regiões; estes, por sua vez, têm por base planos municipais que definem o uso dos solos e estabelecem princípios para a gestão das cidades e das aldeias do local; os aglomerados deverão ser organizados por planos operativos que regulem e ordenem a sua estrutura construída, os seus edifícios, e que definam coerências para a localização das diferentes funções que neles coexistem – a indústria, o comércio, a habitação ou a agricultura. São os Planos de Urbanização, os de Pormenor ou de Salvaguarda que, e mais uma vez a escalas diversas, delimitam e desenham as malhas que estruturam e definem a urbe.

É a interacção destas escalas que permite a determinação de estratégias de planeamento coerentes: a definição de princípios para o uso de um certo recurso a uma escala maior condiciona os planos que dele dependem; no entanto, a possibilidade de compreender com a devida profundidade as questões que a gestão desse recurso levanta só poderá ser aferida a escalas menores; e como estabelecer prioridades sem compreender as dinâmicas existentes no terreno? Como tentar definir opções sem conhecer a realidade das populações?

O planeamento tem que ser pensado compreendendo a estrutura das ocupações humanas: a sua diversidade, as suas inter-relações e interacções e a complexidade das razões que justificam cada uma delas.

São diversos os tipos de ocupação do homem no território; são diferentes os usos impostos ao solo. São variados os aglomerados humanos resultantes, diferentes em dimensão e em características, justificando-se e sendo ao mesmo tempo razão das utilizações que se estabelecem no território. Funções como a agricultura ou a indústria, o comércio ou os serviços encontram no tipo de aglomerado os argumentos para o seu estabelecimento, moldando e transformando a forma destes, estabelecendo relações de cumplicidade. São modos de ocupar o território, distintos nos seus conceitos e finalidades, que se complementam, sustentando a colonização humana. Os aglomerados humanos, sendo todos eles diversos e complexos nas suas razões, relacionam-se e justificam entre si a forma que o homem encontrou para se estabelecer, ocupar e usar os recursos da natureza.

É necessário compreender que uma vila não é uma cidade em ponto pequeno, assim como uma aldeia não é somente um pequeno aglomerado, mas sim um povoamento do espaço com um tipo de vivência próprio que o caracteriza e justifica.

As diferenças entre a urbanidade e a ruralidade advêm de culturas diversas, de razões completamente dissemelhantes de ocupar e usar o território, de onde resultam formas de vida singulares.

A estrutura de uma cidade justifica-se pelas actividades que nela ocorrem, pela sua forma, pela maneira como se organizam e se estabelecem.

Numa urbe gerem-se funções com características próprias: habitação, numa larga escala, interrelacionada com o comércio e com os serviços; indústrias articuladas com a cidade.

A malha urbana é o reflexo dessa forma de organizar o espaço: grandes vias de circulação, que ligam os lugares e que relacionam as diferentes funções, articuladas com locais de estar, praças e pracetas que sustentam uma vivência de lazer; bairros, prédios e quarteirões que organizam a lógica da habitação na estrutura; elementos que definem um desenho característico de que resulta, consequentemente, uma forma de ocupar o território e de organizar os usos do solo.

As aldeias definem-se a uma escala diferente. Menores em dimensão e em concentração, regulam-se por uma maior proximidade da natureza da qual dependem. A agricultura é, geralmente, a base económica que fundamenta a forma do aglomerado, não se articulando no meio rural as forças complexas que determinam a estrutura urbana. A habitação dispersa-se, sendo naturalmente constituída por casas isoladas, unifamiliares, com terreno sobrante, e por pátios e quintais que são utilizados como complemento à actividade agrícola de maior escala.

Dificilmente se pode falar de uma malha rural, as aldeias são definidas pela articulação de eixos mais ou menos numerosos e complexos que correspondem aos espaços definidos pelos limites das propriedades particulares.

As pracetas são os lugares sobrantes, raramente definidos de forma regular, dificilmente desenham excepções assinaláveis no conjunto, pontos notáveis, como acontece nas cidades.

Estas diferentes formas de estruturar a ocupação do espaço resultam de utilizações e de princípios diversos de agir no território. São vivências e maneiras de fazer características e singulares.

A urbanidade está profunda e sistematicamente estudada. Das formas construídas à estrutura urbana, da economia aos aspectos sociais, as cidades foram analisadas nas suas razões, princípios e vivências.

O planeamento urbano e o urbanismo regem-se por princípios resultantes dessa sistematização; a própria arquitectura baseia as suas formas e a gestão das funções dos edifícios em desenhos claramente urbanos.

E as aldeias? E os aglomerados rurais? E o espaço rural? Não existe uma sistematização do planeamento rural ou do ruralismo; apenas alguns tratados (Tratado de Granada), algumas verificações mais ou menos empíricas, alguns estudos das características das formas construídas de determinada aldeia. É urgente, se se pretende de facto salvar as aldeias, que se sistematize esse conhecimento, que se analise profundamente a realidade rural de forma a que se possam, com coerência, desenvolver princípios de acção que se enquadrem no contexto das aldeias e que possibilitem de facto um desenvolvimento baseado no seu conhecimento. É necessário estabelecer as bases do ruralismo e do planeamento rural enquanto disciplina.

Os aglomerados rurais do concelho de Aguiar da Beira são, com o conjunto das aldeias do país, parte da memória da maneira de viver do nosso povo. Uma herança construída que faz parte da nossa cultura, que fornece dados fundamentais para as razões do nosso modo de vida actual. Um documento antropológico, étnico e sociológico, uma justificação de nós. É um património que interessa preservar.

Se só culturalmente a preservação dos aglomerados rurais já é justificável, é no ordenamento territorial que a sua reabilitação tem razões mais imediatas e concretas.

Há que dignificar as aldeias. Mais do que pitorescos aglomerados para visitar ou elementos essenciais do nosso património cultural, justificação da nossa forma de ser, a ruralidade é um factor fundamental para o ordenamento do território, para a gestão do nosso espaço natural e construído. É necessário preservá-las e compreender as vias para o seu desenvolvimento de forma a renovar a sua razão de existir sem alterar a sua identidade.

É necessário potenciar os aglomerados rurais de forma a que estes ganhem de novo razão existencial, para que consigam prender a sua população residente e se desenvolvam harmoniosamente no contexto nacional, conseguindo-se, em última análise, uma diminuição da pressão populacional nos grandes centros, contribuindo para a facilitação da sua organização e qualificação da vida das suas populações.

Só se conseguem desenvolver as aldeias estudando-as, analisando-as e inserindo-as como realidades autónomas na problemática do planeamento.

Saber quais as realidades económicas, sociais e culturais destes aglomerados; perceber quais os modelos das suas estruturas de organização espacial e as pressões neles exercidas; compreender as formas arquitectónicas e os seus significados formais e culturais.

Só então será possível encontrar formas de desenvolver as aldeias e compreender as necessidades de maneira a dar-lhes razões económicas e sociais que viabilizem a sua existência.

Há que compreender os aglomerados rurais e entender o seu papel no ordenamento territorial do país; há que aplicar esse conhecimento nos PDM's e PROT's de forma coerente e eficaz, deixando de tentar salvar as aldeias com medidas desenquadradas e baseadas em análises rápidas e sem profundidade. Há que construir uma disciplina autónoma para o estudo destes aglomerados, à imagem do urbanismo, integrando-a nas problemáticas do planeamento, em suma, há que desenvolver o ruralismo.

Pode falar-se de uma cadeia de aglomerados de dimensões e características diversas que se apoiam e complementam, mantendo uma identidade própria e autónoma. É uma ocupação do território fundada numa diversidade de conjuntos humanos que interagem formando uma estrutura que se baseia na interdependência entre todos.

As transformações socio-económicas e tecnológicas da civilização nas últimas décadas modificaram as necessidades e a estrutura organizativa da sociedade. Estas alterações vivenciais reflectiram-se na organização regional, nomeadamente, ao nível da sobrevalorização dos grandes aglomerados em detrimento dos pequenos.

As aldeias que sobreviviam baseadas nos rendimentos do sector primário viram esvaziada a sua razão de ser económica com a industrialização da agricultura e a crescente importância do comércio e dos serviços.

Sem uma plataforma económica de suporte que os justificasse, os aglomerados rurais perderam a sua vitalidade social, verificando-se um êxodo da sua população residente para os centros urbanos económica e socialmente atractivos ou para o estrangeiro - a região de Aguiar da Beira regista um dos mais elevados índices de emigração do país.

Quando o aumento constante do número de habitantes das grandes cidades torna extremamente difícil a qualificação de vida das suas populações e impossibilita uma gestão urbana equilibrada; quando todas as pessoas preocupadas com assuntos relacionados com o ordenamento concordam que é problemática a pressão exercida nos grandes aglomerados por estes fluxos de população; quando o planeamento regional e local dá os primeiros passos no nosso país estabelecendo regras para a ocupação do espaço; é quase contraditório que as aldeias continuem a ser consideradas como elemento acessório desta problemática e não como factor fundamental para o equilíbrio e gestão deste ordenamento.

É por isso fundamental, ao pensar a problemática do planeamento e do ordenamento, compreender a importância de cada uma das ocupações humanas, de cada um dos aglomerados, entender que alterações à lógica de um desses elementos, à sua importância ou à sua dimensão, influenciará e desequilibrará a estrutura que é o ordenamento do território.

Se pensarmos que cada região, cada local, cada povoação tem características próprias, identificáveis e analisáveis, realidades e necessidades diferentes que variam substancialmente com o contexto onde se inserem, podemos concluir que cada sítio terá que ser estudado como entidade autónoma. Contextualizando essa análise na lógica das ocupações do território para se poderem compreender os motivos e as regras da sua estrutura.

A análise das dinâmicas de crescimento dos aglomerados, da gestão dos recursos naturais, da relação das actividades produtivas com o ambiente, é fundamental para o conhecimento das ocupações humanas de cada local.

Este estudo dos diferentes elementos que constituem a estrutura, que são as ocupações humanas de uma região, é necessário para o seu entendimento, para a compreensão das suas razões mais profundas, das suas interrelações. Só com este conhecimento se poderá entender o ordenamento de cada região, de cada local, de cada aglomerado.

O fundamento do planeamento territorial é a gestão dos recursos, ordenando e estabelecendo regras para as ocupações, sempre com o objectivo último de qualificar a vida das populações. Trata-se de revalorizar ou de preservar o património natural, construído ou cultural, de prever e de ordenar as transformações e as dinâmicas dos aglomerados, de estabelecer o equilíbrio necessário a uma evolução sustentada para as ocupações humanas.

Cada passo dado no sentido da preservação do ambiente natural, histórico, arquitectónico ou cultural, quer seja no sentido estrito do conservadorismo ou simplesmente baseado em premissas de gestão de território e de recursos, tem que, para que possa ser correctamente implementado, ser aceite pelas populações que pretende servir ou que, de outro ponto de vista, são por essas medidas reguladas e condicionadas.

É importante que as populações se envolvam no planeamento dos seus locais e regiões, que compreendam as medidas que tendem ao ordenamento do seu território e que em tudo isto colaborem activamente.

Para isso é necessário que quem decide destas políticas compreenda profundamente os locais onde intervirá, as suas populações, as suas tradições, a sua cultura e as suas formas de vida e que as use como mola para o seu desenvolvimento.

Obviamente, tratam-se de problemas complexos que só poderão ser convenientemente compreendidos se estudados profunda e pluridisciplinarmente. Muitos e diversificados factores contribuem para justificar a vivência das populações e a sua forma de ocupar e usar o território, é necessário percebê-los e compreender as suas influências na lógica do ordenamento: a economia e a gestão, a geografia e a geologia, a sociologia e a etnografia, a arquitectura e o urbanismo são alguns dos muitos saberes que deverão contribuir para a definição de princípios de ordenamento coerentes e inscritos na realidade da região.

Este é um processo dinâmico onde as premissas evoluem e se transformam, obrigando a reavaliações constantes, verificações necessárias, muitas vezes, devido a modificações efectuadas em consequência das próprias medidas de planeamento para o território.

Só assim se conseguirá o objectivo de gerir de forma qualificada o território em que vivemos, tirando o partido máximo das suas potencialidades, usando os seus recursos sem os extinguir, na consciência que a terra em que vivemos, o seu ambiente, a sua natureza são, fundamentalmente, património das gerações vindouras.

Posto isto, pergunto-vos eu:

Que caralho disto tudo que acabei de referir se pode constatar no nosso singelo mas belo país?

Cump,
FT

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